O que é que acontece àquelas pessoas nas margens da cidade que resistem com a sua própria presença nas ruas e praças renovadas e limpas do centro?

30 Janeiro 2018

Quando cheguei ao IN-Mouraria a minha intenção era realizar uma pequena pesquisa sobre o uso de cocaína base nas ruas do bairro e na zona do Intendente. Sou estudante de antropologia e a parte etnográfica, do trabalho de campo, é fundamental. Vivi em Lisboa no ano passado, durante 9 meses, como estudante Erasmus. Achei por bem tentar conhecer algo de mais escondido nesta cidade, embora visível, pois cedo reparei que não é só fado, saudade ou bacalhau. Foi uma coisa que me chamou atenção, a passagem dos “trolleys” turísticos, o barulhinho dos copos nos bonitos cafés e aí bem perto, do outro lado do passeio, todas aquelas pessoas sentadas que fumavam nos cachimbos. E então pensei: “Está bem, gentrificação, mas o que é que acontece àquelas pessoas nas margens da cidade que resistem com a sua própria presença nas ruas e praças renovadas e limpas do centro?”

E então cheguei ao IN-Mouraria porque era uma porta para poder aceder ao mundo que eu queria conhecer melhor. Fiquei só dois meses, mas foram dois meses em que aprendi tanto. Aprendi que é fundamental ouvir, todas as vozes, e as vozes do corpo também, e que para conhecer é preciso acolher e nunca julgar. Aprendi pequenos mapas pessoais, e que as pessoas que vivem em situações de marginalidade estão em constante movimento. À procura de melhores condições para si e para quem amam. Pessoas que caem muitas vezes no percurso, mas que continuam nesta incessante procura, um movimento que cansa, mas que também traz algumas paragens. E uma delas é o IN. Aprendi que os espaços da cidade não são neutros, mas carregados de sentidos, dados pelas pessoas que os habitam e atravessam. Como as ruas, também o IN-Mouraria é habitado de pessoas, e aí eu conheci gente (entre técnicos, utentes e passantes) que luta todos os dias para criar um espaço que não julga, que seja acolhedor, aberto a todos e a todas, e que dialoga com o bairro e também com as instituições de uma maneira que seja aberta à participação de todos. Isso nem sempre é fácil, nem facilmente possível. É algo que se constrói continuamente com a comunidade. Esta, a do IN-Mouraria, do bairro e das pessoas que ali param, é muitas vezes uma comunidade difícil, há muita precariedade, às vezes fragilidade que se deixa ver nos olhos de cada um, e há o esforço quotidiano para ter uma vida digna, há a violência dos estigmas sociais, há conflitos… mas, a sério, é como uma família, há aquela ligação especial que não se pode explicar em palavras, aquela coisinha que permite continuar o percurso, com uma grande coragem.

Aí descobri que dois meses não chegam para perceber muito sobre o “uso da cocaína base nas ruas do bairro”, mas foram dois meses em que aprendi a conhecer uma outra cara da cidade, um outro modo de trabalhar com a comunidade, outras histórias, outros espaços e outros corpos. Outras vozes que têm muitas coisas para ensinar! Conheci também outras visões sobre o uso de drogas, mais voltadas para restituir complexidade a uma situação que é muitas vezes banalizada, contada com medo, violência, alarmismo, preconceito e muito estigma. Afinal, aprendi que é de substância que nós precisamos, e não de aparência.

Por tudo isso (e muito mais) estou grata por ter feito um bocadinho parte desta comunidade e deste espaço. Acho o IN-Mouraria e “toda a família” um lugar especial, verdadeiramente precioso para o bairro da Mouraria e para a cidade de Lisboa.

Obrigada Ricardo, Adriana, Renato, João, Magda, Aaron, Alvaro, Joana, Teresa, Andrea, Claire, Miguel... e obrigada a todos os andarilhos e andarilhas que conheci e que, antes de ficarem na “pesquisa”, vão ficar no meu coração.

 

Irene Aquino