Posição Pública e Comunicado do GAT - Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) para o VIH em Portugal

11 Fevereiro 2019

Um poderoso instrumento de prevenção na via rápida para acabar com a transmissão do VIH

O acesso universal à prevenção combinada e eficaz, baseada no melhor conhecimento científico, sem juízos moralistas e que garanta os direitos e necessidades de toda as pessoas é, nas doenças transmissíveis, uma das grandes chaves do sucesso.

 

PrEP - eficácia e eficiência, segurança, tolerabilidade, acesso e literacia com a comunidade, cobertura e custos

Sabe-se que, mesmo na ausência do acesso à PrEP, há uma tendência comprovada (desde o final do século XX) para a diminuição do uso consistente do preservativo, independentemente da perceção do risco. É sabido que as políticas públicas não têm conseguido inverter esta tendência de menor uso de preservativos e muito temos criticado a insuficiente promoção e acessibilidade aos preservativos e lubrificantes em Portugal que tem que ser melhorada.

No entanto o uso exclusivo do preservativo, apesar de ser um poderoso instrumento de prevenção do VIH e de outras (não de todas) as infeções sexualmente transmitidas (IST), não travou a epidemia em nenhum lugar.

Neste momento sabe-se que a proteção máxima (estado da arte) da transmissão do VIH nas relações sexuais anais, as de risco mais alto, é garantida pelo uso correto conjunto da PrEP e do preservativo.

O acesso à PrEP, aprovada em 16 de julho de 2012 pela FDA e em 2014 pela EMA, (e lembramos, quase 7 anos depois, ainda apenas disponível em Portugal num limitadíssimo Programa de Acesso Precoce - sem fim anunciado- ou através do uso informal por falta de resposta adequada no SNS) é neste cenário, indispensável para a prevenção adicional em conjunto com o diagnóstico precoce e a oferta sistemática do “testar e tratar” (test and treat), mantendo e promovendo todas as outras formas de prevenção biomédicas e comportamentais. 

Eficácia. A ciência provou por ensaios clínicos que o uso correto da PrEP é mais eficaz (mais de 99% para a PrEP vs menos de 80% para o preservativo) na prevenção da transmissão sexual do VIH.

Eficiência. Reconhecemos que em muitos dos ensaios clínicos mais antigos a eficiência foi abaixo do desejável, mas está amplamente demonstrado que esses resultados se deveram a falta de adesão. Nos ensaios e estudos clínicos dos últimos 6 a7 anos, em que o envolvimento pleno comunitário levou a um aumento radical da adesão, a eficiência (acima de 90%) determinou que os ensaios fossem interrompidos por não ser eticamente aceitável que se mantivesse um braço placebo onde as novas infeções por VIH pululavam.

Segurança e Tolerabilidade. A segurança e tolerabilidade do TDF+FTC (tenofovir disoproxil fumarato e emtricitabina) que é a única combinação aprovada, por enquanto, para PrEP, quando corretamente prescrita, é, pelo menos, tão segura e parece melhor tolerada que a pílula contracetiva - que também não previne outras IST (nem o VIH) sem o uso do preservativo

Custos

Os custos já não são uma barreira desde que foi acordado o teto anual de
ARV (Medicamentos Antirretrovirais) para o VIH, teto que vigora até ao final de 2019.

Em saúde, os custos do medicamento podem ser invocados, quer pelo impacto na despesa, quer pela relação de custo-eficácia, por isso o GAT tem trabalhado para resolver esta questão-chave.

Pela informação de que o GAT dispõe, os custos com o medicamento, seja genérico ou o Truvada da Gilead, terão, face ao acordo entre a tutela e a indústria para um teto anual de despesa com acesso universal a ARV, impacto nulo no SNS.

O GAT orgulha-se do trabalho realizado com a comunidade para inverter os custos crescentes e incomportáveis com os medicamentos para o VIH e VHC, (garantindo acesso para todos sem paralelo noutras áreas terapêuticas), e sem que nada dos 58 milhões de euros reais poupados em cada ano tivesse sido alocado no preenchimento de lacunas óbvias na resposta ao controlo das epidemias ou na obtenção de maior conhecimento sobre estas.

Restam os custos não irrelevantes com o uso excessivo, no nosso entender de recursos humanos médicos altamente especializados, não apenas para a prescrição, mas também para consultas de monitorização de IST e de avaliação de adesão, facilmente parametrizáveis, onde outros profissionais de saúde poderiam ser usados com êxito semelhante. Já os custos com as análises regulares para as IST são altamente eficazes em relação com o seu custo.

Imaginemos, a título de exemplo, que um sistema semelhante fosse imposto para o acesso à contraceção e pílula do dia seguinte.

 

Acesso à PrEP


Primeiro o que são os 5 “Ás” (Inglês) do acesso:

  1. Availability: disponibilidade;
  2. Adequacy: acesso adequado;
  3. Accessibility: acesso sem barreiras;
  4. Affordability:acesso a custo comportável;
  5. Appropriateness: serviços participados e ajustados e que respondam às necessidades e condições de vida das pessoas e grupos a quem se destinam.

 

O modelo de acesso, definido na  Norma de Orientação Clínica (NOC) nº 25 de 2017 da DGS adotada em Portugal (também graças à persistência do anterior SEAS, Dr. Fernando Araújo, a quem deve ser feita justiça) confinou o acesso à PrEP num modelo de dispensa e seguimento exclusivamente hospitalar (4 a 6 consultas anuais especializadas para pessoas saudáveis) em serviços atolados de trabalho ( cerca de 35 000 doentes VIH em seguimento) e com falta generalizada de recursos humanos especializados para um país que se quer na via rápida para os objetivos mínimos da ONUSIDA, OMS, UE, ECDC e ODS;

Esse modelo e NOC precisam de revisão e adequação urgente para permitirem o scale upcom segurança e qualidade aos milhares de pessoas que querem e beneficiariam desta ferramenta de prevenção, para reverter a incidência do VIH. 

 

Por exemplo, o Centro Hospitalar Lisboa Oriental, acordou generosamente com o GAT fazer 2 horas semanais de consulta PrEP no nosso serviço GAT-Espaço Intendente (dirigido aos trabalhadores de sexo, mulheres Trans e migrantes em maior risco). No entanto, há cerca de nove meses que não pode ser iniciada (tal como muitas consultas descentralizadas nas prisões) por inexplicável atraso de uma solução informática de que se espera solução por parte dos SPMS.

Para o serviço GAT-CheckpointLX, serviço onde estão identificadas mais de 3000 pessoas (homens gays e bissexuais e outros homens que têm sexo com Homens) que precisam e querem fazer PrEP (videLisbon MSM Coorte) não conseguimos, até ao momento, acordo com nenhum Centro Hospitalar para consulta descentralizada. Isto apesar de termos na equipa do GAT, nos vários serviços, oito médicos especialistas que prescrevem ARV nos seus hospitais e mais alguns profissionais de saúde certificados pela EACS European AIDS Clinical Society para a prescrição e monitorização da PrEP.

Só os serviços do GAT – CheckpointLX, Espaço Intendente e Move-se, de abril 2018 a Janeiro 2019, referenciaram para consulta hospitalar mais de 700 pessoas para o acesso à PrEP (lembramos que inicialmente o PAP era para 100 pessoas) nos hospitais que têm tido uma média de espera pela primeira consulta de mais de 2 meses e mais de 4 meses em média para iniciarem PrEP. 

Acresce, às dificuldades compreensíveis dos hospitais, os recorrentes atrasos (e mesmo interrupções por períodos longos referidas por médicos e utilizadores) da aprovação no Infarmed, que obrigam a repetição dos MCDT. E ainda o atraso no processo, que descrevemos como "surreal" nas premissas, da avaliação custo-eficácia por grupos e respetivo impacto orçamental no mesmo Infarmed.

 

Propostas do GAT para 2019 PrEP

Simplificar, diminuir custos unitários com segurança e conhecimento.

O GAT está convicto que podemos normalizar rapidamente o acesso à PrEP em Portugal e seguir em frente e propomos o calendário sequencial abaixo para 2019

  1. Aprovação urgente da comparticipação da PrEP com custo eficácia, calculado no custo real atual e impacto orçamental real.A acontecer em fevereiro.
  2. Iniciar, pelo menos, duas consultas descentralizadas hospitalares na comunidade em Lisboacom task sharing e shiftingpara enfermeiro/as e pares formados com apoio à informação, literacia e adesão onde o acesso é mais caótico (e a procura superior à soma do resto de todo o país). A acontecer em março.
  3. Aprovação de uma estratégia e plano de ação nacional participado de saúde pública para a PrEP. Até junho.
  4. Alargar a prescrição a médicos designados para o efeito também fora dos hospitais, mas garantindo o registo centralizado SI.VIDA PrEP, com acesso sobretudo nas estruturas de saúde sexual de base comunitária (parceiras do SNS) e públicas. Até setembro.
  5. Retirar o(s) medicamento(s) prescritos para prevenção da transmissão do VIH da dispensa exclusiva hospitalar.Até ao final do ano.

 

O GAT apresentou à tutela, no ano de 2016, uma proposta de estudo demonstrativo para 250 pessoas que nunca foi aprovado pela mesma.

O GAT, em outubro de2018, voltou a apresentar uma proposta de protocolo para estudo observacional prospetivo da PrEP para 1000 pessoas nos serviços GAT - CheckpointLx e Espaço Intendente, em parceria com o ISPUP e um Centro Hospitalar de Lisboa. Os custos previstos são muito baixos e muitíssimos inferiores aos custos do modelo exclusivamente hospitalar atual. Produzir conhecimento científico é indispensável.

A PrEP prescrita e tomada corretamente pode prevenir diretamente (para além da prevenção de grupo e subsequente) mais de 30 infeções ano por 1000 pessoas.

O GAT estabelece como objetivo mínimo que até ao final de 2020 beneficiem de PrEP em Portugal 7500 pessoas. Com a prevenção de pelo menos 225 novas infeções.

Caso não se altere a situação do acesso à PrEP no país e sobretudo na Grande Lisboa, que é de longe o centro da epidemia (onde lembramos não há acesso nos hospitais de S. José, Santo António das Capuchos e Pulido Valente e ainda Cascais - Fernando Almeida, Amadora Sintra, Fernando da Fonseca, Barreiro/Montijo e Vila Franca de Xira), o GAT anunciará e publicitará e passará a fornecer  informação fidedigna e acompanhamento médico adequado, apoio à adesão, monitorização, rastreio, diagnóstico e tratamento regulares de IST a todo(as) os(as) que optarem por fazer PrEP informal importada de fornecedores credíveis.

 

A PrEP não é, por si só, a varinha mágica para eliminar a transmissão do VIH, mas é um instrumento poderoso com custos perfeitamente comportáveis e que opiniões erradas, preconceitos e moralismos, ao arrepio do conhecimento e das provas atualmente disponíveis, não devem impedir o seu uso na escala adequada para a máxima efetividade na diminuição da incidência da infeção por VIH.

 

Sobre o GAT:

O GAT (Grupo de Ativistas em Tratamentos) é uma IPSS de saúde e ONG de base comunitária focada no apoio e na participação plena nas políticas de saúde e de direitos das pessoas e grupos que vivem com ou estão em risco acrescido para o VIH e SIDA, tuberculose, hepatites virais e outras IST, com o objetivo último de eliminar estas epidemias como reconhecidamente problemas graves de saúde pública, e o estigma e discriminação a elas associados.  

O GAT é uma organização que defende o Serviço Nacional de Saúde, a sua melhoria, modernização e sustentabilidade, pugnando pelo acesso rápido à inovação diagnóstica e terapêutica, com custos comportáveis, para todas as pessoas que necessitem e possam beneficiar do recurso a novas modalidades de intervenção médica.

Saiba mais em: www.gatportugal.org

Siga-nos no Facebook (GATPortugal) e no Twitter (@GATVIH)

 

Para mais informações e pedidos de entrevista:

Luís Mendão (GAT) – gatluismendao@gmail.com– 912 200 883

Ricardo Fernandes (GAT) - ricardo.fernandes@gatportugal.org- 918 218 641